Vídeo e Liberdade

1. 
A nossa situação de crise económica e de subdesenvolvimento cultural tem conduzido a que, por um lado, a televisão seja o único meio de distração e de difusão cultural para a esmagadora maioria da população portuguesa; e, por outro lado, a que a informação televisiva seja a única para a maioria dos portugueses (minimamente) informados. 
Esta realidade é tanto mais preocu-pante quanto é notória a ausência de uma vertente cultural na programação televisiva e quanto mais descarada é a manipulação e distorção produzida nos serviços noticiosos da RTP.
Num outro plano, o efeito da televisão sobre a sociedade portuguesa é ainda mais preocupante: o (quase) completo condicionamento dos nossos hábitos pela programação está a conduzir a uma nova forma de ditadura. Quantas pessoas não saem de casa antes do fim do episódio da telenovela? Quantas pessoas estão, meses e meses, «presas» à infindável sequência dos episódios das séries televisivas semanais? Quantas pessoas (ou famílias), diariamente, interrompem os seus diálogos (ou nem sequer chegam a começá-los) por causa deste ou daquele programa da televisão? O estudo das respostas a estas e outras questões levar-nos-ia, concerteza, a algumas conclusões assustadoras. 
2. 
Paradoxalmente, neste contexto, afigura-se-nos do maior interesse o aparecimento dos aparelhos de vídeo. A sua generalização poderá constituir, a médio prazo, um instrumento importante para a libertação dos cidadãos-especta-dores da ditadura da televisão, apesar de, em certa medida, criar novos motivos de atracção pelo pequeno écran. 
As possibilidades do vídeo são enormes. Destaco apenas três: gravação de um programa, por exemplo, do 1º canal enquanto, ao mesmo tempo, se vê o 2º; programação de uma gravação de um programa qualquer que seja transmitido a horas em que o espectador não esteja em casa; aquisição ou aluguer de filmes. Estes três exemplos permitem-nos imaginar as transformações que o vídeo poderá provocar nas nossas relações com a televisão, com o cinema, com a família, com os amigos, etc. O vídeo fortalecerá a nossa liberdade de escolha. Poderemos usar o nosso tempo onde, como e quando quisermos. E poderemos, mais facilmente, ver aquilo que queremos com a consequente não submissão à programação da RTP. Ficaremos, também, muito mais disponíveis para a leitura, para outras actividades culturais e espectáculos, para o convívio com os amigos, etc. E já não teremos a velha desculpa de que «hoje dá um bom filme na televisão ...» 
3. 
Estas novas opções não devem, contudo, enfraquecer o nosso combate por uma televisão melhor em todos os aspectos, designadamente no da informação. Por uma televisão politicamente pluralista, culturalmente portuguesa e democrática, socialmente mobilizadora dos cidadãos para o desenvolvimento do Pais, nas suas múltiplas vertentes. Até porque o vídeo, apesar das suas virtudes não resolverá o problema da desinformação que os sucessivos governos têm imposto à «sua» televisão. 

(1) Apesar de o preço de vídeo ser ainda proibitivo, Joaquim Vieira, em artigo publicado recentemente no Expresso, avançava o número de um aparelho em cada dez lares portugueses. 
__________
Publicado na revista "Seara Nova" (Nº 13-Agosto/Setembro de 1987)