Angola: uma inesperada surpresa?

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Nas últimas semanas, assistimos a uma vergonhosa limpeza das consciências de vários actores do mundo dos negócios e das empresas, da banca, da política e não só.
Isabel dos Santos, até há muito pouco tempo considerada como uma verdadeira e bem sucedida empresária, caiu em desgraça por causa de alegadas ilegalidades divulgadas no âmbito do chamado Luanda Leaks.
A quantidade de pessoas que, de um momento para o outro, deixaram de a conhecer e afirmaram nada saber sobre os seus negócios.

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A pergunta que me ocorre é muito simplesmente esta: em que mundo vivem todos os que desempenharam esta farsa? Como não têm vergonha para, agora, se demarcarem de Isabel dos Santos quando foram sócios, assalariados, prestadores de serviços ou simples testas de ferro.
Algo me incomoda quando assisto a um espectáculo tão ridículo e nojento: são cães que não conhecem o dono. Essa figura é muito rara entre os verdadeiros canídeos que, na esmagadora maioria dos casos, são amigos e fieis aos seus donos até ao fim.
Mas estes "cães" dos negócios, da banca, da política, das empresas de consultoria ou dos gabinetes de advogados têm uma visão muito mais pragmática. Souberam estar perto quando tudo corria bem e Isabel dos Santos parecia intocável. Agora forem como ratos.
Aparentemente, esse estatuto de intocável está comprometido e todos assobiam para o lado e fazem de conta.
Isabel dos Santos espelha claros indícios de pouca transparência  nos negócios e viveu longo anos sob a asa protectora do pai, prosperando de forma, no mínimo, esquisita.

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Pessoalmente, não acredito que o Estado Angolano leve até ao fim todo este processo pois isso seria por o dedo numa ferida estrutural. Sabemos como tudo começa. Ninguém sabe com poderia acabar. E, francamente, quem quer arriscar a lavar tanta roupa "alegadamente" tão suja?
Estou convencido que Isabel dos Santos, na pior das hipóteses, será coagida a devolver parte do dinheiro.
Mais do que isso não acredito.

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Enquanto isto decorre, a maioria do povo angolano continua a viver na miséria (ou quase). E isso é que é revoltante pois passa-se num país que tinha todas as condições naturais para ser um espaço de prosperidade e, no mínimo, assegurando uma vida digna aos seus cidadãos.
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in Jornal Tornado (15/02/2020