Da educação e da família

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As famílias estão a mudar porque tudo à nossa volta também está a mudar. E a mudar de forma rápida ou... muito rápida. Excessivamente rápida para alguns. Com a velocidade estonteante a que as coisas mudam, estamos a perder os referenciais. A educação é um deles.
Numa perspectiva básica, a educação pressupõe não só a existência de alunos mas também (e sobretudo) de professores que ensinem múltiplas matérias, estimulem a pesquisa, estruturem a busca do conhecimento, suscitem dúvidas, ajudem a descobrir e promovam o desenvolvimento de crianças e jovens.
Dito isto, interrogo-me sobre o facto das vantagens de muitos pais delegarem (excessivamente) na Escola e nos professores a tarefa de educar os seus filhos.

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Poucos pais aceitarão reconhecer a excessiva dependência da Escola e dos professores porque não é politicamente correcto e porque seria, talvez, o reconhecimento da sua incapacidade ou da sua indisponibilidade.
E, por falar em indisponibilidade, a vida profissional (e as suas exigências) é, talvez, o maior factor de desequilíbrio na vida das pessoas e, por contágio, da vida das famílias. E, por consequência, da vida das crianças e jovens e do seu desempenho escolar.
Sem querer defender uma relação de causa efeito, a verdade é que isto anda tudo ligado: os pais estão muito ocupados nas suas vidas profissionais e dispõem de pouco tempo para o resto. Tendo pouco tempo para o resto (incluindo a educação), delegam na Escola e nos professores. Por seu turno, os professores nem sempre estão preparados para serem professores e, ao mesmo tempo, educadores num sentido mais vasto. E, depois, há ainda o recurso a explicações e a centros de estudo para que a aprendizagem seja mais eficaz.
Portanto, podemos dizer que há um “sistema integrado” de substituições: Professores substituem/complementam os pais, explicadores substituem/complementam os professores. Finalmente, a Internet está sempre disponível: o Senhor Google é muito simpático, a Dona Wikipedia muito útil. E há ainda uma infindável panóplia de opções com plataformas de trabalhos escolares feitos (uns gratuitos e outros pagos) e facilmente copiáveis.

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Ou seja, quando falamos de educação estamos, afinal, a falar de quê? Estamos a falar de um processo com múltiplos intervenientes que, muitas vezes, podem não estar alinhados nem apoiar de forma convergente.
Neste processo complexo, há opções a fazer pelas famílias, pela escola e, já agora, pelos educandos.
As famílias têm de optar por uma maior proximidade e disponibilidade de forma a poderem participar mais activamente na educação. E contribuir para que o processo seja integrado e não apenas uma mera aquisição de conhecimentos.
A grande questão é mesmo essa: educação não é só aquisição de conhecimento. Isso a escola e os professores podem fazer. A educação integral passa, como é óbvio, por muito mais do que o saber escolar convencional. Deve ajudar a saber fazer, a saber estar, a saber pensar, a saber decidir, a saber viver e a saber respeitar. Em síntese, a saber ser um ser humano que vive em sociedade com princípios, valores, ideais e objectivos.
Para este nobre desígnio, ou mobilizamos todos os intervenientes ou corremos o risco de falhar. Se olharmos para este problema de forma isolada e parcial, teremos resultados incompletos e insuficientes. E não falo só de insucesso escolar. Estou a pensar num falhanço muito mais grave com reflexos na vida de crianças e jovens: não os preparar num sentido global para a vida.

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O século XXI tem trazido consigo imensos desafios. O desafio a educação é essencial. Se persistirmos na estratégia do “sistema integrado” de substituições, o futuro estará comprometido.
O futuro desenha-se hoje com as opções que somos capazes de fazer. Podemos adiar, podemos assobiar para o lado ou podemos mudar o paradigma da nossas vidas e apostar na educação. E, neste contacto, a família tem o papel maior porque pode ser o ambiente activador da visão integrada e completa da educação. Ou pode ser apenas um espaço de coexistência física e funcional, que seria um absoluto desastre.
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Publicado no Nº 8 da revista "Sem Equívocos"