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Crimes e Violência

1
O fenómeno da violência doméstica contra mulheres é uma triste realidade e tem assumido números verdadeiramente assustadores e preocupantes no nosso país.
O quadro em que se desenvolve esta situação poderia parecer ser inevitável: herança cultural, machismo, mentes retrógradas, entre muitos outras razões.
Infelizmente, nem sempre quem deve proteger protege. Por vezes, nem a própria vítima formaliza as queixas. Algumas vezes, serão os vizinhos temerosos a condescenderem escudados no provérbio absurdo: entre homem e mulher não metas a colher.
Enfim, podemos encontrar muitas desculpas para o problema. Mas, mais difícil é encontrar explicação para quando o sistema policial e/ou o sistema judicial falham clamorosamente.
Quando as queixas não são valorizadas devidamente. Quando os agressores são absolvidos ou saem com ligeiras penas, raramente penas de prisão efectiva.
2
Do meu ponto de vista, o problema tem de ser atacado de uma forma integrada a três níveis: em primeiro lugar, protegendo de imediato as vítimas de forma eficaz logo que haja sintomas de que algo pode vir a acontecer. Depois, criando condições efectivas para que as vítimas possam refazer a sua vida num contexto de liberdade e segurança. Finalmente, punindo dura e exemplarmente os agressores comprovados.
3
A época dos discursos moralistas e simpáticos já passou. Agora é o tempo de agir com determinação em defesa das pessoas (mulheres e, em menor escala, homens) ameaçadas, coagidas, agredidas antes de serem assassinadas. Os números estão aí, as notícias são recorrentes. Não se trata de uma opinião nem de um ponto de vista. É uma verdadeira tragédia com vítimas, algumas mortais. Por isso é tempo de dotar as forças de segurança dos meios e a Justiça das leis que impeçam que esta vergonha persista na nossa sociedade.
Dezembro/2019
Publicado no Nº 12 da revista "Sem Equívocos"

Europa: Duas ideias

1.
Lembro-me frequentemente desta história: foi em Nova York que me apercebi, pela primeira vez, que era um cidadão europeu. Pode parecer estranho mas é verdade. Somos muito diferentes dos americanos em muitas coisas e somos mais parecidos com os nossos parceiros europeus.
Isto não significa que não haja grandes diferenças entre um francês e um português, entre um alemão e um italiano ou entre um holandês e um espanhol.
Mas, temos algo de muito mais profundo que nos une. A começar (e talvez o mais importante) o facto de reconhecermos a diferença e a respeitarmos.
Reconhecemos (e valorizamos) as diferenças e encaramos esse facto como uma mais-valia. Como algo de natural porque, no essencial, a Europa e os europeus têm uma tradição democrática e de respeito por valores de solidariedade, de tolerância, de abertura e de partilha.
Essa matriz europeia que é partilhada por milhões de cidadãos está hoje a ser posta em causa pelos populistas e pelos ideias da extrema-direita xenófoba. Ao contrário do que apregoam, estes protagonistas não estão a lutar por mais Europa mas sim a desejar uma nova realidade em que a Europa se distancie da sua essência. Não estão a querer (re)construir a Europa supostamente ameaçada. Estão a querer fechar um espaço que é um espaço de liberdade e tolerância. Uma terra de oportunidades para os que a não têm. Por isso, a saga populista e xenófoba que desperta é uma das principais ameaças à Europa que construímos. E por isso tem de ser combatida com firmeza.

2.
Uma segunda ideia que anda no ar: o afastamento dos cidadãos europeus da Europa e do ideal europeu. Penso que essa é um dos maiores equívocos da actualidade. E é um equívoco que está a ser estimulado, em primeiro lugar, pelos inimigos da Europa e os que desejam a sua desintegração para conquistarem vantagem na pequenez dos seus territórios atrás de muros aparentemente protectores.
O que se passa realmente é um afastamento em relação à deriva inconcebível dos burocratas de Bruxelas que estão a querer impor uma União Europeia contra... a Europa.
Quando se quer construir uma nova realidade contra a vontade dos povos e à revelia da sua essência estruturada em torno de uma longa história comum, tudo só pode correr mal.
A Europa vive em paz há de 70 anos afirmando-se como um espaço de prosperidade, tolerância, desenvolvimento e solidariedade.
Infelizmente, nem sempre os decisores da União Europeia contribuem para que essa realidade se afirme e se reforce.
Esse é um erro colossal e pode sair muito caro a todos nós.
Pela Europa, pelos seus princípios e pela sua tradição, será fácil congregar esforços e pessoas. Esse é o caminho.
Setembro/2019

Publicado no Nº 11 da revista "Sem Equívocos"

Corrupção: Modo de Usar

1
O fenómeno da corrupção não é, infelizmente, recente. Não está circunscrito a uma área específica da actividade humana nem a uma região. Em Portugal, atingiu nos últimos anos uma expressão mediática que nos dá a sensação de estar em toda a parte e de ter uma dimensão muito grande. 
Além disso, estamos hoje mais atentos e alerta sobre essas práticas. E, sobretudo, começamos a deixar de as considerar inevitáveis ou aceitáveis. Mas isto não deve descansar-nos. A corrupção é um dos problemas mais sérios que temos no nosso país. Seguramente, é uma das causas da sua crónica falta de competitividade e do descrédito com que muitos portugueses olham para os políticos e outros agentes que circulam e actuam no espaço público.

2
Sempre que o tema surge numa conversa ou numa notícia, lembro-me de uma história que se passou comigo há mais de 10 anos e que foi um bom exemplo de como lidamos com a corrupção.
Um amigo meu, arquitecto de profissão, precisava de obter um documento de uma autarquia local para algum projecto em que estava envolvido. Para sossego dos leitores, posso garantir-vos que o documento necessário não escondia nenhum projecto ilícito nem era nada de ilegal. Tratava-se de uma formalidade administrativa que, quando muito, poderia ser demorada ou de complexa forma de obter.
Pois, perante uma situação absolutamente legal e definida nos procedimentos da autarquia, qual foi a pergunta que o meu amigo me colocou?
Um pergunta simples: “QUEM é que tu conheces na Câmara que possa ajudar a resolver este problema?”
Na altura não estranhei a pergunta. Até me pareceu lógica...
Mas, de facto, esta era uma pergunta perigosa e indicadora da forma como muitos de nós encaramos estas situações: em vez de querermos saber COMO se pode tratar de um assunto, perguntamos QUEM conhecemos que... possa dar uma ajuda, que possa resolver um problema (mesmo que não seja um “problema” mas sim uma formalidade administrativa). QUEM nos pode resolver (ou ajudar, ou dar uma palavrinha, ou...) a questão?
Esta segunda pergunta é, infelizmente, comum e mostra bem como lidamos com a Administração Pública ou com muitas outras entidades. 

3
Queremos sempre que alguém abra uma excepção, que nos trate de forma diferenciada, que nos resolva uma situação, que nos dê uma ajudinha, etc. Daqui a pouco estamos à espera que “feche os olhos” ou que seja “compreensivo”...
Se esta atitude não for suficiente, podemos ainda equacionar que esse gesto terá um custo e, em muitos casos, estamos dispostos a pagar.
Ora, tudo isto são as bases e um “modo de usar” a corrupção. Pode ser a pequena corrupção em troca de uma nota de 10 ou 20 euros. Mas... não deixa de ser corrupção.
O que potenciou esta natural predisposição em usar estes mecanismo de obter algo em troco de uma compensação. 
Se fazemos isso para obter documentos legais ou meras formalidades, imagine-se o que alguns estão disponíveis para fazer para obterem um contrato de milhões.

4
A corrupção é uma realidade trágica. Podemos continuar a assobiar para o lado ou a dizer que isso são os outros que fazem. Mas é tempo de sermos nós a dizer “não” e a mudar comportamentos no dia-a-dia.
Essa deve ser a nossa primeira tarefa para ajudar no combate à corrupção. Se nós mudarmos, se contribuirmos para a mudança, se denunciarmos o que se passa, talvez consigamos evitar o mau desfecho que toda esta situação anuncia há muito tempo. 
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Publicado no Nº 10 da revista  "Sem Equívocos"

A felicidade depende de nós

"
Concurso de circunstâncias que causam ventura.
Estado da pessoa feliz.
Bom êxito.
"
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 

1
QUASE
A questão da felicidade é uma das mais antigas. De certa forma, nós somos os eternos insatisfeitos que ambicionamos alcançar um estado em nos possamos sentir felizes. E fazemos quase tudo para que isso aconteça. E, aqui, a palavra essencial é... "quase". Sim, a palavra "quase" pois serão ainda poucos os que, no seu dia-a-dia, fazem por ser felizes.
Em primeiro lugar, a nossa via profissional sempre muito intensa e desafiante, nem sempre nos recompensa depois de tomarmos as decisões felizes, de nos comportarmos de forma adequada ou de contribuirmos para o bem estar de outra(s) pessoa(s). Temos 24 horas por dia mas, de facto, temos pouco tempo para ser felizes...

2
DEPRESSA
Depois, suponho, seria importante, fazermos todas as coisas (as simples e as complexas, as importantes e as triviais) com tempo e saboreando cada momento. Talvez não seja já possível eliminar a pressa mas... podemos tentar com a mesma intensidade com que nos dispomos a andar mais depressa, a responder mais rapidamente a um email, a almoçar de pé numa cafetaria, a exceder sistematicamente os limites de velocidade nas estradas (e a pagar as multas...), a lamentar a falta de tempo para tudo e mais alguma coisa.
A minha avó costumava dizer: "Depressa e Bem há pouco quem" e tinha razão. Muitas vezes somos tentados quase a fazer por fazer. Por nenhum motivo em especial. Apenas porque estamos focados noutro assunto ou noutra realidade. 

3
FELICIDADE
Do meu ponto de vista, a felicidade pode assumir formas muito diversas e variadas. E acontecer onde menos acontece. Ora, o que me parece cada vez mais claro é que, raramente, não consideramos a questão da da felicidade como uma prioridade importante e urgente. 
De alguma forma, procuramos a felicidade onde ela não pode estar mas onde estão muitas vezes ilusões passageiras que nos parecem a felicidade: dinheiro ou poder. 
Mas, como sabem muitos ricos e poderosos infelizes, a verdadeira felicidade não reside naquilo que se compra, nem no que se rouba, nem naquilo que se tem.
A verdadeira felicidade está, antes de mais, naquilo que somos.
Naquilo que fazemos e nos dá prazer. Ou nos permite contribuir para tornar outros mais felizes. 
A verdadeira felicidade está, aliás, ao alcance de todos se... todos quiserem construir um mundo mais feliz com pessoas felizes. 
Infelizmente, as situações de absoluta infelicidade continuam a invadir as nossas vidas hum pouco por todo o lado. E assumem formas tão diversas como doença, fome, guerra, insegurança, violência ou repressão. 
Contudo, uma coisa é certa. Alterar a situação não depende dos outros. Depende, em primeiro lugar e primordialmente, de cada um de nós e do que nós quisermos fazer na nossa passagem pelo planeta Terra.

Março/2019
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Publicado no Nº 9 da revista "Sem Equívocos"

Da educação e da família

1
As famílias estão a mudar porque tudo à nossa volta também está a mudar. E a mudar de forma rápida ou... muito rápida. Excessivamente rápida para alguns. Com a velocidade estonteante a que as coisas mudam, estamos a perder os referenciais. A educação é um deles.
Numa perspectiva básica, a educação pressupõe não só a existência de alunos mas também (e sobretudo) de professores que ensinem múltiplas matérias, estimulem a pesquisa, estruturem a busca do conhecimento, suscitem dúvidas, ajudem a descobrir e promovam o desenvolvimento de crianças e jovens.
Dito isto, interrogo-me sobre o facto das vantagens de muitos pais delegarem (excessivamente) na Escola e nos professores a tarefa de educar os seus filhos.

2
Poucos pais aceitarão reconhecer a excessiva dependência da Escola e dos professores porque não é politicamente correcto e porque seria, talvez, o reconhecimento da sua incapacidade ou da sua indisponibilidade.
E, por falar em indisponibilidade, a vida profissional (e as suas exigências) é, talvez, o maior factor de desequilíbrio na vida das pessoas e, por contágio, da vida das famílias. E, por consequência, da vida das crianças e jovens e do seu desempenho escolar.
Sem querer defender uma relação de causa efeito, a verdade é que isto anda tudo ligado: os pais estão muito ocupados nas suas vidas profissionais e dispõem de pouco tempo para o resto. Tendo pouco tempo para o resto (incluindo a educação), delegam na Escola e nos professores. Por seu turno, os professores nem sempre estão preparados para serem professores e, ao mesmo tempo, educadores num sentido mais vasto. E, depois, há ainda o recurso a explicações e a centros de estudo para que a aprendizagem seja mais eficaz.
Portanto, podemos dizer que há um “sistema integrado” de substituições: Professores substituem/complementam os pais, explicadores substituem/complementam os professores. Finalmente, a Internet está sempre disponível: o Senhor Google é muito simpático, a Dona Wikipedia muito útil. E há ainda uma infindável panóplia de opções com plataformas de trabalhos escolares feitos (uns gratuitos e outros pagos) e facilmente copiáveis.

3
Ou seja, quando falamos de educação estamos, afinal, a falar de quê? Estamos a falar de um processo com múltiplos intervenientes que, muitas vezes, podem não estar alinhados nem apoiar de forma convergente.
Neste processo complexo, há opções a fazer pelas famílias, pela escola e, já agora, pelos educandos.
As famílias têm de optar por uma maior proximidade e disponibilidade de forma a poderem participar mais activamente na educação. E contribuir para que o processo seja integrado e não apenas uma mera aquisição de conhecimentos.
A grande questão é mesmo essa: educação não é só aquisição de conhecimento. Isso a escola e os professores podem fazer. A educação integral passa, como é óbvio, por muito mais do que o saber escolar convencional. Deve ajudar a saber fazer, a saber estar, a saber pensar, a saber decidir, a saber viver e a saber respeitar. Em síntese, a saber ser um ser humano que vive em sociedade com princípios, valores, ideais e objectivos.
Para este nobre desígnio, ou mobilizamos todos os intervenientes ou corremos o risco de falhar. Se olharmos para este problema de forma isolada e parcial, teremos resultados incompletos e insuficientes. E não falo só de insucesso escolar. Estou a pensar num falhanço muito mais grave com reflexos na vida de crianças e jovens: não os preparar num sentido global para a vida.

4
O século XXI tem trazido consigo imensos desafios. O desafio a educação é essencial. Se persistirmos na estratégia do “sistema integrado” de substituições, o futuro estará comprometido.
O futuro desenha-se hoje com as opções que somos capazes de fazer. Podemos adiar, podemos assobiar para o lado ou podemos mudar o paradigma da nossas vidas e apostar na educação. E, neste contacto, a família tem o papel maior porque pode ser o ambiente activador da visão integrada e completa da educação. Ou pode ser apenas um espaço de coexistência física e funcional, que seria um absoluto desastre.
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Publicado no Nº 8 da revista "Sem Equívocos"

O Exemplo das Crianças

“Mar transparente como eu. No meu mar não há náufragos. Eu aceito tudo e todos.”
Maria Luísa Ferreira

1.
As sucessivas vagas de migrantes que chegam de países sub-desenvolvidos tornou-se um dos grandes temas da actualidade na Europa e também nos EUA. As reacções são díspares variando da recusa ou repulsa até ao acolhimento solidário e generoso. 
Alguns líderes estimulam a rejeição evocando o perigo do terrorismo ou a possibilidade de os recém-chegados poderem roubar empregos ou ser potenciais criminosos.
Está, pois, criado um ambiente que pode ser de hostilidade mais ou menos agressiva. Nós, portugueses, somos de uma forma global solidários e receptivos e ainda não houve uma vaga contra os imigrantes. 
Por outro lado, sem que se perceba bem porquê, têm sido poucos os que escolhem o nosso país como destino depois das suas dramáticas fugas dos países de origem. Por isso, este parece não ser ainda um problema ou sequer uma questão para nós. Por isso mesmo me parece importante reflectir agora, sem pressão nem paixão, sobre aquele que será um dos problemas importantes dos próximos anos para a Europa e, mais tarde ou mais cedo, para Portugal.

2.
Uma primeira ideia é para mim muito clara: a situação de vida nos países de origem destas pessoas é absolutamente inaceitável e insustentável. Pode ser a guerra, a fome, a violência, a miséria, o banditismo, a ausência de qualquer lei ou a existência de um regime ditatorial e desumano. Em síntese, a falta das mais elementares e básicas condições de uma vida minimamente digna. 
Só assim se pode explicar que as pessoas aceitem colocar-se a caminho de algo que não sabem bem o que é mas que acreditam que será melhor, mesmo que seja apenas um pouco melhor. Mesmo que implique colocar a sua vida em risco. Mesmo que signifique centenas (ou milhares) de quilómetros de viagens perigosas. Mesmo que obrigue a deixar para trás a sua casa, a sua família e as suas origens. Mesmo que sejam forçados a pagar a crápulas que ganham muito dinheiro com a sua situação mas que não asseguram sequer o seu transporte em segurança.

3.
Neste enquadramento, podemos perceber as causas directas. Claro que podemos escrever frases bonitas e reflexões ponderosas sobre política internacional, sobre estratégia nas relações bilaterais, sobre condições naturais, sobre tradições, sobre convenções, sobre a inevitabilidade da desigualdade e outras banalidades. Nós sabemos qual é a real origem da situação que obriga milhares (ou milhões) de pessoas a fugir. 
Mas, qual pode ser a solução? Não creio que possa existir uma resposta fácil a esta simples pergunta. De tudo o que reflecti sobre o assunto, parece-me cada vez mais evidente que a melhor solução seria a comunidade internacional ajudar de forma activa na criação de condições para o desenvolvimento integrado da qualidade de vida destas pessoas. Isso significaria que, em vez de gastarmos recursos a construir obstáculos para evitar a sua fuga e posterior chegada aos nossos países, devíamos apostar em desenvolver a economia, estimular a educação, criar emprego, gerar riqueza nos seus países. 
Se as pessoas tiverem um emprego, acesso a educação, uma casa para viver e um sistema básico que assegure uma vida digna não precisarão de procurar outros destinos. Será isso possível? Eu acredito que sim. O que tem de mudar é o paradigma em que se baseia a política internacional. O que tem de mudar são os fundamentos de uma ajuda que é, obviamente, muito útil para evitar maiores catástrofes mas que não resolve o problema. Temos de investir menos em meios de destruição (e não falo só de armas...) e mais em meios de construção (escolas, hospitais, estruturas económicas, organizações empresariais, habitações, etc.).

4.
No século XX, milhares de portugueses sairam de Portugal em busca de trabalho e de uma outra situação para si, para as suas famílias e para os seus filhos. França, Alemanha, Luxemburgo, EUA, Venezuela e muitos outros países foram o destino. E por lá ficaram durante anos e anos. Levaram família e criaram descendentes. Montaram os seus negócios ou foram trabalhadores exemplares ajudando ao crescimento de empresas e de muitos países. Muitos fugiram à miséria que por cá viviam. Todos desejaram uma vida melhor e lutaram por ela. 
Hoje, são milhões os portugueses espalhados um pouco por todo o mundo. E nós temos orgulho no seu exemplo. Porque não desistiram e porque quiseram construir um outro destino para as suas vidas. Por isso, podemos certamente compreender as razões que levam milhares de pessoas a buscar abrigo na Europa ou noutros países mais desenvolvidos. Da mesma forma que gostámos que os nossos emigrantes fossem acolhidos noutros países, parece-me lógico que sejamos nós agora a dar a mão e a acolher os desesperados que nos batam à porta. 

5.
Evidentemente, a coexistência com o “outro” pode fazer-nos sentir algum desconforto. Mas, se pensarmos bem, podemos olhar para o exemplo que muitas crianças portuguesas (e estrangeiras) já hoje dão em escolas onde há crianças de vários países e de culturas bem diferentes. Se olharmos, o que vemos? Crianças brincando umas com as outras, descobrindo novos hábitos, vivenciando outras comidas, celebrando outras festas e aprendendo outras línguas.
O exemplo das crianças é o caminho que devemos seguir. São diferentes, compreendem que são diferentes mas isso não é uma ameaça mas sim mais uma vantagem. Não tem qualquer importância quando respeitamos e aceitamos o nosso vizinho, colega ou amigo. O mundo será muito melhor se for comandado por esta visão: aberta, solidária, acolhedora e amiga.
Novembro/2018
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Publicado no Nº 7 da revista "Sem Equívocos"

Dos Poderes

«Só quer a vida cheia quem teve a vida parada 
Só há liberdade a sério quando houver 
A paz, o pão 
habitação
saúde, educação 
Só há liberdade a sério quando houver 
Liberdade de mudar e decidir.»

Sérgio Godinho

1. POLÍTICOS
De que falamos quando falamos de política? Nos nossos dias, tanto em Portugal como no mundo de uma forma geral, não nos ocorrerá nada de muito positivo. Infelizmente, pois o exercício da Política devia ser uma tarefa nobre, executada com rigor, transparência, honra, sensatez, coerência e princípios. 
Isto é algo de muito básico e devia ser o fundamento do exercício do Poder nos seus diversos órgãos, de uma simples Junta de Freguesia à Presidência da República. Mas, como bem sabemos, estamos longe (mesmo muito longe...) deste ideal. 
Temos, naturalmente, excepções mas a verdade é que o afastamento dos detentores de cargos políticos dos cidadãos é uma realidade. E, aqui e ali, surge uma outra forma de engano: o líder populista, que jura ir ser diferente e estar junto do seu Povo. Por seu turno, o povo esse está afastado e descrente pois os mecanismos da sua representação política são limitados (quando muito, um voto nas urnas de 4 em 4 anos...). 

2. RELIGIOSOS
De que falamos quando falamos de religião? Falamos de crença, de fé, de paz, de comunhão de ideais e de busca de uma dimensão existencial muito para além da vida terrena. Mas, infelizmente, temos muitas vezes intolerância e manifestações de fanatismo, de ódio e de violência. A religião, ou as religiões, em vez de promoverem a paz e a concórdia são hoje activadoras de conflitos e de guerras, de atentados e de mortes. Em vez de escolher uma igreja para partilhar uma vida e um ideal, muitos saem desse local para desencadear o mal.
E esta situação parece piorar de dia para dia. Temos, claro, excepções mas nem sempre conseguem mudar a situação e, quem sabe, podem mesmo ser engolidos pela máquina. Podemos dizer que o Papa Francisco é diferente mas, certamente, é insuficiente. 
Infelizmente.

3. CONDICIONADOS
Nestes dias e neste tempo em que vivemos, são muitos os desafios. São imensos os riscos e os perigos. E tudo está a ocorrer num mundo em mudança vertiginosa agudizando a(s) incerteza(s).
A nossa vida, assente em salutares princípios que conhecemos e julgávamos consolidados há mais de 50 anos, está em causa. 
As causas são várias mas, no fundo, estamos perante um forte e multifacetado ataque organizado à democracia, à tolerância, ao Estado Social, ao direito à diferença, à liberdade de expressão e de imprensa. Estamos perante sérias tentativas de restrição de direitos humanos básicos como o direito à saúde, à educação, a um emprego e a uma reforma digna. Estamos perante a tentativa de destruição do nosso modo de vida com a “normalização” das desigualdades, a “banalidade” das violências, a “inevitabilidade” do retrocesso e a “urgência” de se tomarem medidas reguladoras que baixem as expectativas.
Mas tudo isto não passa de uma ilusão que visa, em primeiro lugar, estabelecer que o verdadeiro poder continue a ser o poder económico e o poder dos interesses. E, nesta batalha, os aliados que devíamos ter do nosso lado estão cada vez mais ausentes ou inoperantes.
Podíamos pensar que os nossos legítimos representantes políticos nos defendessem e lutassem pelos nossos interesses. Podíamos rezar e ter fé.
Infelizmente, tudo isso vem demonstrando ser um embuste. Estamos condicionados, somos manietados, somos manipulados e, frequentemente, perdemos poder. Muitas vezes sem sequer termos noção disso mesmo

4. DECIDIDOS
Está na hora de os Cidadãos retomarem, em suas mãos, o poder. Nunca foi, não é e nunca será fácil. Mas, não podemos esquecer: nós temos um poder. O poder de decidir, de agir e de contribuir para a mudança global. 
Podemos entregar o nosso destino nas mãos de outros. Ou podemos decidir e contribuir para a mudança. Podemos começar hoje.
Maio/2018
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Publicado no Nº 6 da revista "Sem Equívocos"

Da Verdade e da Justiça

«Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo.»
Albert Camus

1. DESCONFIADOS
Os casos na Justiça sucedem-se em Portugal e são evidentes vários sinais de desconforto quando se fala da sua aplicação concreta. Ficamos espantados com arquivamentos inesperados. Lamentamos os prazos excessivos que os processos demoram até chegarem a tribunal. Ficamos baralhados com sentenças arcaicas e imorais como algumas que foram tomadas sobre casos de violência doméstica.
Ambicionamos nunca termos de nos sujeitar aos tortuosos caminhos da investigação ou da suspeita.
Em síntese, confiamos pouco (ou nada?) na Justiça portuguesa e no seu trabalho.
E o problema principal é que, sem sermos juristas especializados, a realidade que surge relatada na comunicação social ou em situações que vamos conhecendo no nosso dia a dia, apenas confirmam os nossos receios e as nossas dúvidas.

2. INSATISFEITOS
Numa sociedade livre, queremos que haja justiça. Não só a justiça administrada pelos tribunais mas uma justiça mais ampla que permita que todos tenham as mesmas oportunidades em muitos domínios: economia, sociedade, educação, emprego, saúde ou bem-estar.

3. DECIDIDOS
Neste quadro algo negro e desolador, poderemos ter uma atitude exigente ou teremos de aceitar resignar que a Justiça não funciona? Teremos de nos resignar a que este pilar da sociedade seja um pilar em ruínas (ou, no mínimo, em decadência)? Poderemos lutar de alguma forma para alterar o miserável estado de coisas a que se chegou? Valerá a pena acreditar que, enquanto cidadãos, temos uma palavra a dizer?
Na minha humilde opinião, é tempo de não nos resignarmos, mas de nos indignarmos. É tempo de dizer “basta”!
Se calarmos ou se olharmos para o lado, não podemos depois dizer que não é connosco, que a culpa é dos outros. Seremos cúmplices. A opção é nossa, nós podemos decidir de que lado queremos estar e lutar. E estar do lado da Justiça é, em primeiro lugar, estar do lado da Liberdade.

Fevereiro/2018
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Publicado no Nº 5 da revista “Sem Equívocos”

O Nosso Tempo

“Todo o homem é mais parecido com a sua época do que com o seu pai.”
Provérbio Árabe

1. APRESSADOS
O nosso tempo é, sem dúvida, um tempo em que a rapidez se tornou regra: queremos tudo agora, já ou de imediato. A pressa tomou conta de tudo, da comida (fast-food) à velocidade a que acedemos à Internet. Tudo se mede em minutos ou mesmo em segundos. E quem se atrasa está (parece estar...) perdido.
A velocidade a que estamos a evoluir é excelente. No entanto, esta mesma velocidade está a retirar-nos o prazer de estar e de ser. Se tudo é tão rápido, não temos sequer tempo para ver ou sentir e, muito menos, saborear. Não temos tempo para preservar a memória (deixamos que um disco externo se encarregue disso).
Esse é o nosso tempo e já pouco podemos fazer. A não ser resistir e ter a capacidade de abrandar o ritmo, de esperar um pouco, de andar mais devagar ou de recusar comer uma refeição em pé. São gestos simples e que dependem apenas de nós.

2. LIGADOS
O nosso tempo é, sem dúvida, um tempo em que não conseguimos estar desligados. Estamos a olha para o telemóvel centenas de vezes por dia. Acedemos dezenas de vezes ao Facebook. Respondemos a inúmeras mensagens de texto ao mesmo tempo que conduzimos. A nossa aplicação de email interrompe-nos constantemente com a chegada de novas mensagens. Numa conversa, se surge uma dúvida sobre uma data ou um lugar, já não apelamos à memória e procuramos na Internet. E podia continuar a desfiar um conjunto imenso de situações em que já não conseguimos estar desligados.
Esse é o nosso tempo e já pouco podemos fazer. A não ser resistir e ter a capacidade de deixar o telefone em silêncio durante uma parte do dia, ajustar uma hora para consulta de informação online ou guardar uns momentos para estar bem (lendo um livro, passeando, conversando). São gestos simples e que dependem apenas de nós.

3. PARECIDOS
O nosso tempo é, sem dúvida, um tempo em que somos mais globais e em que cada vez mais estamos sujeitos a influências e a contextos muito semelhantes, designadamente no acesso a informação. Estamos, também muito expostos a verdadeiras máquinas de comunicação de origens diversas mas sempre com a mesma intenção: controlar o que sabemos e, depois, influenciar o que pensamos e como pensamos.
Pior ainda se pensarmos que muita da informação que recebemos ou a que acedemos já está condicionada por algoritmos de motores de pesquisa e outras formas de condicionamento. Daí resulta que estejamos cada vez mais parecidos. Com mais acesso a informação mas, provavelmente, com menos liberdade de escolha. Provavelmente, o excesso de informação de que somos vítimas em vez de ser benéfico pode talvez ser prejudicial.
Como temos tanta informação para ler e reflectir, poderá dar-se o caso de com essa ilusão de liberdade de acesso a informação nos escape que estamos condicionados e manipulados.
Claro que podemos também produzir informação (nunca foi tão fácil escrever e publicar). Podemos escolher fontes que sejam mais credíveis (nunca foi tão fácil aceder a milhões de ficheiros de múltiplas procedências). Podemos fazer tudo isso. Mas continuamos a abrir a caixa de pesquisa do Google para o que devia ser um ponto de partida numa pesquisa cuidadosa, aprofundada e criteriosa.
Mas, como estamos apressados e vivemos permanentemente ligados, muitas vezes (ou sempre?) não temos tempo ou já nem nos damos a esse trabalho...
Esse é o nosso tempo e já pouco podemos fazer. A não ser resistir e ter a capacidade de pesquisar diversas fontes e avaliar a sua credibilidade, ler opiniões contraditórias, explorar factos mesmo os que não confirmam as nossas convicções, estar alerta para as manipulações que nos entram pela porta dentro.
Numa palavra: pensar. Numa atitude: ter dúvidas. Num princípio: ser exigente.
São gestos simples e que dependem apenas de nós.

Novembro/2017
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Publicado no Nº 4 da revista "Sem Equívocos"

Economia Social e o desafio da Comunicação

«Não chega fazer um bom produto – há que o “dar a conhecer” e “valorizar”. É o objectivo do sistema de comunicação que o homem de marketing constrói para alcançar e convencer o mercado por si visado.»
in Mercator

1.
A Economia Social representa um contributo essencial para a qualidade de vida das pessoas, das famílias e da sociedade portuguesa. Ao longo de todo o país, centenas de organizações enquadram milhares de colaboradores que prestam serviços (lares, apoio domiciliário, centros de dia, creches, infantários, apoio a cidadãos portadores de deficiência, entre muitos outros) e desenvolvem iniciativas de natureza diversa como o combate à exclusão, reinserção social, a promoção de causas (sociais, ambientais, entre outras) e a defesa de princípios.

A Economia Social são organizações sem fins lucrativos com objectivos muito claros e generosos cujo justo valor só damos se e quando conhecemos os resultados. Pensemos nos inúmeros problemas que estas organizações resolvem. Uns são mais evidentes do que outros mas, de uma forma geral, o cidadão comum desconhece (ou conhece apenas parcialmente) o que é feito a nível global e, muitas vezes, a nível do seu concelho.

Esta situação pode parecer estranha mas, de facto, resulta e perdura porque, habitualmente, as organizações da Economia Social comunicam pouco (e às vezes mal...). Claro que, felizmente, há cada vez mais e melhores exemplos.

Além disso, apesar de nós vivermos numa sociedade da comunicação, é cada vez mais difícil vencer os obstáculos à comunicação. O primeiro dos quais a nossa crónica falta de atenção. Como se sabe, desde que nos levantamos até que nos deitamos, somos o alvo de dezenas (ou... centenas mesmo) de acções de comunicação das mais diversas entidades: bancos, operadores de telecomunicações, perfumes e cosméticos, grande distribuição, construtores de automóveis, clubes de futebol, espectáculos, entre muitos outros. E muitos deles com orçamentos muito alargados e robustos.

Neste contexto, é fácil que uma organização com menores recursos tenha dificuldades acrescidas em pura e simplesmente ser ouvida. Há muita comunicação e estímulos comunicacionais no ar. Logo há muito ruído e motivos de dispersão que escondem realidades muito importantes e relevantes que não chegam a ultrapassar essas barreiras.

As organizações da Economia Social, na esmagadora maioria dos casos, possuem um trabalho relevante e significativo. Desempenham de forma esforçada, voluntária e generosa um conjunto de acções que, muitas vezes, mesmo vivendo lado a lado com essas organizações, nós não valorizamos porque... nem sequer as conhecemos. O que é, sem dúvida, uma tremenda injustiça. Acresce que estas organizações vivem, muitas vezes, dificuldades (financeiras, mas não só) e esta realidade em nada ajuda a captar apoios (financeiros, mas não só).

2.
Como podemos resolver este problema? Como podem as organizações da Economia Social ultrapassar os obstáculos à comunicação e afirmar-se no espaço público? Como podem ambicionar alcançar a notoriedade e a boa imagem que merecem? Como devem actuar para garantirem a sua sustentabilidade?

A minha resposta está em algo muito óbvio no contexto de uma gestão de marketing social: desenvolvendo de forma consistente uma política de comunicação sólida, dinâmica, continuada e arrojada que lhe permita ser ouvida, ser reconhecida e, logo, valorizada pela sociedade, pelos cidadãos, pelas empresas ou pelos organismos do Estado.

Só quando conhecemos, valorizamos. Só quando valorizamos, estamos dispostos a apoiar. Portanto, a comunicação, o desenvolvimento de uma marca, o estabelecimento de uma estratégia, a realização de acções não são opcionais.

Assim sendo, importa que muito rapidamente as questões do marketing social (relação com os clientes, abordagem do mercado, comunicação, gestão da marca, gestão de serviços e produtos, etc.) se tornem uma prioridade na gestão das organizações da Economia Social. Um assunto tão importante como todos os outros que estão em cima da mesa em organizações complexas que empregam dezenas de colaboradores e apoiam centenas de pessoas (clientes e suas famílias).

A sua sustentabilidade não depende apenas da excelência dos seus serviços, da nobreza dos seus intuitos e da dedicação dos seus colaboradores. Nem pode apenas repousar na generosidade e utilidade das suas causas e funções sociais.

Numa sociedade da comunicação, as organizações da Economia Social podem e devem investir em comunicação e marketing. Esse é o seu grande desafio nos dias de hoje. Já há bons exemplos (Pirilampo Mágico, Fundação do Gil, etc.) que deram bons resultados. Precisamos de mais. Urgentemente. 
Junho/2017
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Publicado no Nº 3 da revista "Sem Equívocos"

Ilusões e busca de sabedoria

«O aspecto mais triste da vida actual é que a ciência ganha em conhecimento mais rapidamente que a sociedade em sabedoria.»
Isaac Asimov

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Conhecimento e sabedoria. Tempo rápido e capacidade de apreensão de informação. Acesso livre e fácil e compra de informação. Pressa e menos tempo para pensar ou apenas questionar. Conveniência. Ausência de critérios rigorosos de análise.
Estes são alguns dos inúmeros e pertinentes temas que se colocam nesta maravilhosa época em que vivemos e em que a Internet e outros formatos digitais proliferam acabando por moldar a nossa relação com o mundo, as pessoas, a sociedade, os governos e, de certa forma, com a vida. Esta é uma constatação óbvia e pertinente mas que a frase de Isaac Asimov me fez repensar.
Proponho, por isso, uma breve reflexão sobre sabedoria, conhecimento e ilusões. Retomemos o hábito antigo de consultar um dicionário (neste caso: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, versão online) quando queremos ser mais exactos nas palavras que usamos:
Sabedoria: «Grande fundo de conhecimentos. Saber. Qualidade de sabedor.»
Conhecimento: «Acto ou efeito de conhecer. Notícia, informação.»
Ilusão: «Engano dos sentidos ou pensamento. O que se nos afigura ser o que não é

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Para exemplificar o meu ponto de vista permitam-me que conte uma pequena história pessoal da minha vida de professor. Numa aula de fim de semestre no Instituto onde dou aulas, procediam os alunos à apresentação dos seus trabalhos finais. Sendo aulas de marketing, são recorrentes os dados sobre o mercado, sobre consumidores e seus perfis, sobre vendas, etc.
A meio da aula, a aluna munida de uma vistosa apresentação em PowerPoint tentava impressionar os colegas com a informação sobre o perfil dos consumidores de um país, logo sobre os seus potenciais clientes. Até aqui tudo bem, excepto num caso em que escreveu e afirmou que a população de um país europeu que tinha estudado era composta por uns milhões de pessoas, dos quais mais de 70% eram do sexo feminino. Perante o meu espanto e dúvida sobre o facto de a repartição da população pelos dois géneros ser tão díspar (70%-30%), a melhor resposta que encontrou foi esta:
«—Professor, estava  assim na Internet»
Com esta resposta a aluna não só queria resolver a questão como, de certa forma, acabar com a minha objecção. Ou seja, «se estava assim na Internet» era a verdade, era informação, era conhecimento, era… sabedoria e inquestionável.

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De facto, vivemos numa época em que podemos ter acesso imediato a múltiplas fontes de informação e seus conteúdos. Uma armadilha: ainda por cima, os conteúdos são, muitas vezes, gratuitos. Assim, por um lado, são de fácil acesso. Por outro lado, são gratuitos.
O conhecimento, está realmente à distância de um clic. E, pouco depois, parece-nos real a ilusão da sabedoria. Acresce que esta revolução digital está a transformar a leitura e a forma como lemos. Infelizmente nem sempre num bom sentido… E um dos factores que mais contribui para este meu «infelizmente» é a redução (ou ausência?) de «filtros» por que passa a informação que lemos.

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Durante anos e anos, considerámos que uma informação  publicada e impressa era a garantia da sua qualidade. Era, então difícil publicar um livro ou difundir as nossas ideias, explicações, teorias. O acesso ao espaço público estava condicionado.
Com o advento e massificação da Internet nas nossas vidas, é fácil criar e distribuir conteúdos: textos, números, imagens ou infografias. O que é muito bom, sem dúvida. Surgiu e democratizou-se a capacidade de criar conteúdos e de os distribuir. E de os distribuir não só pelos amigos, familiares ou colegas. Hoje, um texto colocado num website ou nas redes sociais pode ser lido, sem esforço nosso, por centenas, milhares ou mesmo milhões de pessoas.
Mas, esse fenómeno não conduziu como é óbvio a uma melhoria significativa do nosso conhecimento.
Do outro lado da equação o que temos: o fácil acesso a conteúdos ajuda-nos a desenvolver a ilusão de que estamos a aumentar facilmente o nosso conhecimento: com menos esforço, com mais rapidez. E daqui a imaginarmos que estamos mais perto da sabedoria vai um pequeno passo.

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Por isso, vivemos numa época fascinante em que podemos dizer que: nunca tantos puderam aceder a tanta informação e a tanto conhecimento. Mas, paradoxalmente, nunca antes se produziu e difundiu tanta informação imprecisa, superficial, errada como agora. E, pior do que isso, esta época de pressas e de desejos de consumo imediato e conveniente, é o melhor terreno para ler «na diagonal», para «dar uma vista de olhos», para querer ler pouco (os resumos e as sínteses estão, cada vez mais, na moda…). Logo, um  ambiente mau conselheiro para aprofundar, para comparar fontes, para questionar, para procurar opiniões divergentes, para… pensar.
Ou seja, um dos paradoxos da época digital é este: a acesso a informação está garantido e é cada vez mais fácil, mais rápido e mais barato. Mas, não nos iludamos, não estamos a aceder a conhecimento nem estamos mais perto da sabedoria. Isso não se consegue apenas com a fácil pesquisa no Google…  


Abril/2017
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Publicado no Nº2 da revista "Sem Equívocos"