Eutanásia: a minha vontade não é referendável

Animais não humanos

Estamos de acordo em tratar muito bem os animais não humanos até ao fim. Já por mais de uma ocasião, tive de pedir ajuda a um médico veterinário para terminar com o sofrimento dos meus cães em fase terminal.
Estamos de acordo em tratar muito bem os animais não humanos até ao fim. Já por mais de uma ocasião, tive de pedir ajuda a um médico veterinário para terminar com o sofrimento dos meus cães em fase terminal.
Por muito que me tenha custado (e custou, acreditem) senti que era um dever meu impedir que os meus amigos continuassem a sofrer. E mais ainda depois obter uma segura opinião médica sobre a irreversibilidade da situação. Adorei que tenham tido uma boa vida comigo ao longo de 10 ou 15 anos. Mas, até em nome dessa vida em comum, foi num gesto natural: libertá-los da dor, deixá-los partir em paz e na minha companhia como sempre.

Seres humanos

No caso dos seres humanos, a liberdade de cada um de nós poder decidir é o essencial. Como não temos donos e sendo adultos, teremos de ser nós a tomar a decisão.
Eu quero decidir por mim se e quando estiver perto do fim. E não quero que outra pessoa possa decidir sobre o meu destino. Nem muito menos quero deixar o peso dessa responsabilidade a outra pessoa (neste caso, à minha mulher).
Ninguém deve ser confrontado com a necessidade de tomar uma decisão  em relação a outra pessoa. E, ao mesmo tempo, ninguém deve poder intrometer-se nessa decisão. E muito menos o Estado. 

Referendo

Eu sei que esta palavra nem sempre é bem acolhida apesar de ser instrumento essencial de auscultação das pessoas. Há por isso quem defenda o referendo sobre a eutanásia. Mas, peço desculpa, a minha vontade sobre mim próprio não é referendável.
Eu jamais direi a alguém, neste contexto, “faz isto ou não faças aquilo”. Não tenho esse direito. O referendo pode aplicar-se a muitas situações. Não à vontade individual dos cidadãos. E, por maioria de razão, porque essa decisão não colide de forma alguma com a liberdade dos outros. A ninguém prejudica.

Testamento
Neste contexto, o testamento vital é um passo na direcção certa. Por isso, defendo que, em primeiro lugar, deve ser intensificada rapidamente a divulgação de todos os esclarecimentos sobre o que é o testamento vital: Qual o seu âmbito de aplicação? Quais os direitos e deveres dos cidadãos? Qual o envolvimento da família? Quais as implicações quando o assinamos? Que decisões podemos tomar? Quais as situações terminais que poderemos viver e suas consequências? Como podemos alterá-lo? E incentivar que todos o assinem de forma a que todos, sem excepção, possam (em consciência e com toda a informação indispensável) tomarem nas suas mãos o seu destino. O destino das suas vidas. Da mesma forma que desejamos reger a nossa vida, seria bom que o pudéssemos fazer sobre a nossa morte.

Disponibilidade

Para mim, estes princípios estão claros. Os valores que lhes estão subjacentes também. Desejo que rapidamente a eutanásia seja permitida dentro das regras e com todas as garantias contra abusos e contra qualquer forma de violência ou desrespeito pela vida humana.
Neste momento, a eutanásia é proibida. Mas, um dia, se um amigo ou um familiar me pedir ajuda para acabar com o seu sofrimento irreversível, eu estarei disponível para o ajudar como um último acto da mais profunda amizade ou de profundo amor. Nunca será fácil. Vai custar muito. Mas será o meu dever.
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in Jornal Tornado (15/12/2018)