Da Privacidade/2: Manual de Instruções

1.
O RGPD-Regulamento Geral de Protecção de Dados vai entrar em vigor em 25 de Maio com o objectivo de introduzir algumas regras mais firmes salvaguardando a privacidade dos nossos dados pessoais.
Trata-se de uma boa notícia e, mesmo numa época de devassa ou exposição generalizada, será uma oportunidade para colocarmos alguma disciplina nas relações com empresas e outras organizações.
De uma forma violenta e despudorada, são inúmeras as situações em que nos pedem (por vezes... exigem) que ofereçamos os nossos dados para que, depois, de forma ainda mais inusitada nos entupirem a caixa de mensagens de correio electrónico ou nos telefonarem a vender este mundo e o outro.
Como profissional da área de marketing que sou há mais de 30 anos, sempre me insurgi contra essas práticas que, sob uma pretensa capa da “agressividade comercial”, mais não revelavam do que um absoluto desrespeito pelos seus clientes ou potenciais clientes.
Acontece mesmo que, muitas vezes, nem sequer eram acções comunicacionais inteligentes. Muitas vezes me interroguei sobre que sentido tem fazer uma campanha tendo o objectivo de me vender o serviço da Empresa X do qual eu... já sou cliente... Somos constantemente bombardeados por iniciativas semelhantes porque os nossos dados andam por aí, sem controlo, sem o nosso conhecimento e sem o nosso consentimento. 
2.
A partir de 25 de Maio, há dois princípios básicos que têm de ser cumpridos: primeiro, os dados pessoais são nossos e não das organizações comerciais ou outras que os solicitam e a quem nós os disponibilizamos com um fim específico; segundo, tem de ficar claro para que fim estamos a ceder os nossos dados. Ou seja, eu cedo os dados para receber uma factura e efectuar um contrato de um serviço. Mas isso não implica automaticamente que eu estou a ceder os meus dados para ser contactado para vender outros serviços.
O RGPD é muito mais completo e é muito mais específico. Mas só estas duas regras são já um avanço enorme.
3.
Posto isto, como podemos e devemos legitimamente resistir a organizações que abusam sistematicamente dos nosso direitos e não cumprem a lei. Há um conjunto de acções que podemos e devemos fazer. 

Vejamos dois exemplos:
  • Várias empresas estão já a enviar mensagens solicitando o nosso consentimento para continuarem a mandar mensagens. O que fazer? Não dar esse consentimento e recusar esse pedido. Se, por acaso, essa mesma empresa nos continuar a enviar mensagens não solicitaras devemos de imediato apresentar queixa formal na Comissão Nacional da Protecção de Dados (CNPD). E por queixa formal estamos a falar de uma carta identificando a empresa em causa e o abuso de que estamos a ser vítimas. Será obrigação desta entidade abrir um inquérito e aplicar as sanções inerentes. Concluindo: se não temos interesse em estar na órbita comercial de uma empresa, devemos rejeitar e não dar o consentimento.
  • Suponhamos que vamos realizar um contrato e prestação de serviços com uma empresa e o diligente funcionário que nos atende exige uma infindável lista de dados. Podemos e devemos perguntar: para que fim são os dados que me estão a solicitar? Que uso vai ser dado no futuro? De que forma a boa prestação do servico está dependente do fornecimento desses dados? Concluindo: se achamos excessivos os pedidos de dados, podemos, em primeiro lugar, não subscrever o serviço e procurar uma alternativa. E podemos, depois, apresentar queixa na mesma entidade para que a empresa seja auditada e seja verificada, à luz dos princípios do RGPD, a necessidade efectiva dos dados solicitados.
4.
A cidadania tem de ser exercida diariamente para que os nosso direitos e os nosso deveres sejam cumpridos na íntegra. A pressão e as manobras de empresas e outras organizações para que o RGPD não seja cumprido serão imensas. Infelizmente, apesar de narrativas simpáticas, muitas empresas e outras organizações não desenvolvem a sua actividade de forma respeitadora da lei. Infelizmente, uma postura ética no marketing ainda não será a predominante. Infelizmente, as violações continuarão. Mas não nos podemos esquecer de um facto simples: nós, cidadãos, temos o poder de dizer não e temos uma lei que nos protege. Assim sendo, se nos demitirmos da nossa cidadania e dos nossos direitos, estamos a dar um contributo para que empresas e outras organizações sejam beneficiadas nas suas más práticas. 
Uma vez mais, em primeiro lugar, depende de nós. Podemos agir. Devemos agir.

15/Maio/2018