Pelo Regresso ao Espaço Público

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Vivemos em prédios, isolados embora rodeados de vizinhos que não conhecemos nem sabemos quem são. Estamos cada vez mais sozinhos. Nada disto é novidade num tempo em que partilhamos conversas (ou monólogos?) em redes virtuais com pessoas que dizemos serem nossas amigas mas que, em muitos casos, são meros conhecidos ou nem isso. Trabalhamos isolados em organizações onde estamos horas e horas com colegas que vagamente conhecemos e com os quais interagimos profissionalmente e nada mais.

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No entanto, o espaço público vai-se transformando: as ruas ou os centros comerciais ganham novos espaços em que nos apetece estar. E essa é uma grande alteração que estamos a vivenciar hoje: alguns espaços comerciais são sítios onde vamos porque queremos estar e interagir com outras pessoas. Os gestores desses espaços perceberam rapidamente que hoje não é só a vontade de comprar que nos move. Vamos a um centro comercial e, por vezes, não compramos nada em especial. Almoçamos, lanchamos ou vamos ao cinema. E há mesmo espaços em que, numa espécie de esplanada interior, tomamos um café e, se temos companhia, conversamos. Sim, a boa velha conversa que nos animava.

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Infelizmente, nem tudo são boas notícias. Em muitos espaços públicos o elemento preponderante é o omnipresente telemóvel. Podemos perguntar: o que faz o telemóvel numa crónica sobre espaços públicos? Muito. O telemóvel é, cada vez mais, o acessório de que (quase) não conseguimos separar-nos. Olhamos para ele (dizem alguns estudos) mais de 200 vezes por dia. Temos uma dúvida e, em vez de usarmos a memória, consultamos de imediato o motor de pesquisa que nos devolve a resposta certa. Tiramos fotografias. Usamos como guia de viagem. Ouvimos música. E, coisa incrível, até telefonamos... sim, porque é de um telefone que estamos a falar. 

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Perante esta verdadeira invasão das nossas vidas pelos inevitáveis telemóveis e pelas múltiplas formas de isolamento que vivenciamos dia-a-dia, será que mudou a nossa essência de seres gregários que sempre fomos?
Talvez não... apesar de tudo, sempre que se proporcionam as condições, continuamos à procura de companhia e gostamos de partilhar espaços e momentos e memórias. Mas, não está fácil porque as nossas vidas não estão actualmente destinadas a promover e proporcionar tempo para esses momentos. Entre vidas profissionais muito absorventes, horas gastas no trânsito das cidades e outras formas funestas de perda de tempo, o que sobra? Pouco. Muito pouco.
Resta-nos resistir e lutar para termos tempo de qualidade para aquilo que for mais importante. Para conversar, para estar com os amigos ou com as pessoas amadas. Para caminhar e pensar. Para usufruir dos dias e dos espaços que ainda vamos tendo.
E, por falar em espaços, uma palavra para as autarquias que, um pouco por todo o lado, recuperam espaços que estavam degradados e constroem jardins, ciclovias, parques infantis, espaços para exercício físico, colocam cadeiras para que as pessoas possam estar e conversar. 
No governo das cidades, algumas autarquias estão a compreender e a actuar para devolver o espaço público às pessoas. Quando isso acontece, na esmagadora maioria dos casos, a resposta é incrível. As pessoas voltam à rua, voltam a ter o prazer de pequenas coisas: brincar com os filhos, passear, namorar, sentar e conversar. Isso é um bom sinal. 
Agora, só falta deixarmos o telemóvel em casa. Experimentemos. Não há-de ser assim tão difícil.
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in Jornal Tornado  (15/7/2018)