"ELES"

A páginas tantas, leio num jornal que «eles aumentaram as tarifas…» e dou por mim a pensar que, de facto, uma das expressões que melhor caracterizam a forma como encaramos a vida pública é esta: «Eles».

Frequentemente, quando nos queixamos do Governo, da Câmara Municipal, da Portugal Telecom ou de qualquer outra entidade, dizemos: «Eles estão a gastar dinheiro a mais…» ou «eles aumentaram os preços…» ou «eles não cumpriram o que prometeram…»

Do meu ponto de vista, esta situação deriva, por um lado, da nossa pouca vontade em identificar um responsável pelo que de mal se faz e, por outro lado, da pouca vontade «deles» em assumir as responsabilidades pelos seus actos e decisões.

Assim, nunca ninguém saberá quem é o responsável. Ninguém será penalizado. Eles não pagam impostos… eles não apertam o cerco aos infractores… eles não cumprem… Mas ninguém faz nada. E daqui decorre a sensação de impunidade que vivemos em diversas áreas. Impunidade e, por vezes, também uma sensação de impotência perante todo um conjunto de injustiças, ilegalidades, irregularidades, desvios, incumprimentos, mentiras.

Em poucos países a sociedade civil terá um papel tão pouco interventor como no nosso. Por exemplo, para quem quer intervir na vida política é quase obrigatória a inscrição num partido político. E dentro de um partido, essa intervenção restringe-se, normalmente, à acção de meia dúzia de dirigentes. Aos eleitores, resta o ritual do voto de quatro em quatro anos.

Mais do que nunca, está na hora de procurarmos novas formas de participação cívica e novos tipos de intervenção social. A sociedade civil tem de funcionar. Senão, «eles» continuarão…