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O mundo dos livros está em mudança há vários anos. Sinais
desse processo de mudança são vários: primeiro foi a venda de livros com
descontos absurdos nos hipermercados, em (quase) permanentes feiras do livro
que provocaram o encerramento de muitas pequenas livrarias espalhadas pelo país.
Depois a entrada no mercado português de cadeias livreiras ocupando espaços
privilegiados nas catedrais do consumo: os centros comerciais.
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Mais recentemente, fenómenos de concentração empresarial com
a absorção de muitas editoras por grupos editoriais muito fortes e com lógicas
de monopolização do mercado.
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E, tudo isto, num ambiente de mudança tecnológica acelerada:
aparecimento dos e-books, crescimento do comércio electrónico, incluindo as
vendas online de livros, a diversificação dos suportes de leitura
(computadores, smartphones e, mais
recentemente, os tablets), as
soluções de print-on-demand, a
crescente facilidade de acesso a conteúdos na Internet.
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Do ponto de vista da procura, as coisas também estão a mudar:
os hábitos e comportamentos dos leitores estão também eles a modificar-se e a
colocar novos desafios a autores, editores e livreiros. Se há alguns anos se
podia dizer que a televisão era inimiga da leitura, hoje já temos uma fatia
importante de pessoas que passa mais tempo na Internet do que colada ao pequeno
ecrã. A forma como acedemos e consumimos informação e os mais diversos
conteúdos está a mudar. E, em muitos casos, conseguimos fazê-lo em qualquer
lugar e a qualquer hora.
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Neste mundo em mudança, o que irá acontecer aos livros?
Qual o papel das editoras? Qual o novo perfil de actuação
dos autores?
Do meu ponto de vista, mais do que nunca importa valorizar o
acto de editar. Vale a pena editar bons livros, com um design cuidado e com uma
estratégia de venda sólida.
Já não basta mandar imprimir um texto e esperar que as
vendas surjam.
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Hoje, editar pode continuar a ser uma paixão mas, cada vez
mais, será um acto de gestão. Terá de assumir que uma editora é, também, um
negócio em feroz concorrência com outras empresas de outros sectores disputando
a atenção a atenção, a referência e as compras de consumidores.
Mais do que nunca, as estratégias e acções do marketing e da
comunicação serão indispensáveis para disputar o mercado. Esta será (está a
ser...) uma mudança relevante do perfil organizacional das editoras, dos seus
recursos humanos e, até, dos autores que terão de sair da sua zona de conforto
e de se aventurar nos contactos directos com os seus leitores, com livreiros, com
jornalistas.
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Editar, hoje, é muito mais fácil do que há 20 ou 30 anos: as
tecnologias hoje ao dispor dos editores são mais fáceis, mais potentes, mais
convenientes, mais simplificada, mais...
As verdadeiras dores de cabeça dos editores surgem mais à
frente, quando apenas pretendem uma coisa muito simples: ter acesso ao mercado.
Sejamos realistas: hoje, os contratos propostos pelas
cadeias livreiras aos editores fazem com que as editoras tenham de ter uma
robusta tesouraria e consigam viver com margens baixas e prazos de recebimento
superiores a 6 meses. Ou pior ainda, consigam entrar nas prateleiras das
livrarias. Hoje é muito difícil uma pequena editora ser acolhida numa cadeia
livreira. Porquê? Porque a lógica da cadeia é baseada em vendas elevadas e uma
rotação de stocks rápida e lucrativa. E, como se sabe, uma pequena editora pode
não garantir, à partida, essas duas premissas. E aí a lógica de mercado
sobrepõe-se, como é óbvio, a tudo o resto.
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Editar hoje é muito fácil. Fazê-lo com qualidade e rigor é
também possível. Mas há uma questão em aberto. Como chegar aos leitores se a
editora não tem acesso ao mercado, aos pontos de venda?
Não tenho uma resposta segura para este problema. Mas, tenho
reflectido em algumas pistas: criar uma ligação directa autor-leitor ou
autor-editora-leitor.
Assumir que os leitores têm de ser conquistados (quase) um a
um. Criar relações sólidas e estáveis com os leitores: nas redes sociais, em
encontros pessoais, em eventos organizados pela editora, em iniciativas de
fomento à leitura. Na criação de experiências únicas que o leitor valorize como
passar uma tarde a conversar com um autor sobre os livros e a beber um chá.
Está na hora de as editoras, sobretudo as pequenas e
micro-editoras, se organizarem e promoverem formas alternativas de feiras do
livro. De criarem as suas lojas online, dentro de um espírito colaborativo, de
criarem lojas temporárias em espaços onde haja leitores.
Numa palavra: de se prepararem para dizer “não” à ditadura
das grandes cadeias de distribuição e lutarem. E não basta passar a vida a
protestar e a dizer mal da vida...
É tempo de agir.
Dezembro/2016
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Publicado no Nº1 da revista "Sem Equívocos"