«O aspecto mais triste da vida
actual é que a ciência ganha em conhecimento mais
rapidamente que a sociedade em sabedoria.»
Isaac Asimov
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Conhecimento e sabedoria. Tempo rápido e capacidade de apreensão
de informação. Acesso livre e fácil e compra de informação. Pressa e menos
tempo para pensar ou apenas questionar. Conveniência. Ausência de critérios
rigorosos de análise.
Estes são alguns dos inúmeros e pertinentes temas que se colocam
nesta maravilhosa época em que vivemos e em que a Internet e outros formatos
digitais proliferam acabando por moldar a nossa relação com o mundo, as
pessoas, a sociedade, os governos e, de certa forma, com a vida. Esta é uma
constatação óbvia e pertinente mas que a frase de Isaac Asimov me fez repensar.
Proponho, por isso, uma breve reflexão sobre sabedoria,
conhecimento e ilusões. Retomemos o hábito antigo de consultar um dicionário
(neste caso: Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa, versão online) quando queremos ser mais
exactos nas palavras que usamos:
Sabedoria: «Grande fundo de
conhecimentos. Saber. Qualidade de sabedor.»
Conhecimento: «Acto ou efeito de
conhecer. Notícia, informação.»
Ilusão: «Engano dos sentidos ou
pensamento. O que se nos afigura ser o que não é.»
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Para exemplificar o meu ponto de vista permitam-me que conte uma
pequena história pessoal da minha vida de professor. Numa aula de fim de
semestre no Instituto onde dou aulas, procediam os alunos à apresentação dos
seus trabalhos finais. Sendo aulas de marketing, são recorrentes os dados sobre
o mercado, sobre consumidores e seus perfis, sobre vendas, etc.
A meio da aula, a aluna munida de uma vistosa apresentação em
PowerPoint tentava impressionar os colegas com a informação sobre o perfil dos
consumidores de um país, logo sobre os seus potenciais clientes. Até aqui tudo
bem, excepto num caso em que escreveu e afirmou que a população de um país
europeu que tinha estudado era composta por uns milhões de pessoas, dos quais
mais de 70% eram do sexo feminino. Perante o meu espanto e dúvida sobre o facto
de a repartição da população pelos dois géneros ser tão díspar (70%-30%), a
melhor resposta que encontrou foi esta:
«—Professor, estava
assim na Internet»…
Com esta resposta a aluna não só queria resolver a questão como,
de certa forma, acabar com a minha objecção. Ou seja, «se estava assim na
Internet» era a verdade, era informação, era conhecimento, era… sabedoria e
inquestionável.
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De facto, vivemos numa época em que podemos ter acesso imediato
a múltiplas fontes de informação e seus conteúdos. Uma armadilha: ainda por
cima, os conteúdos são, muitas vezes, gratuitos. Assim, por um lado, são de
fácil acesso. Por outro lado, são gratuitos.
O conhecimento, está realmente à distância de um clic. E,
pouco depois, parece-nos real a ilusão da sabedoria. Acresce que esta revolução
digital está a transformar a leitura e a forma como lemos. Infelizmente nem
sempre num bom sentido… E um dos factores que mais contribui para este meu
«infelizmente» é a redução (ou ausência?) de «filtros» por que passa a
informação que lemos.
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Durante anos e anos, considerámos que uma informação publicada e impressa era a garantia da sua
qualidade. Era, então difícil publicar um livro ou difundir as nossas ideias, explicações,
teorias. O acesso ao espaço público estava condicionado.
Com o advento e massificação da Internet nas nossas vidas, é
fácil criar e distribuir conteúdos: textos, números, imagens ou infografias. O
que é muito bom, sem dúvida. Surgiu e democratizou-se a capacidade de criar
conteúdos e de os distribuir. E de os distribuir não só pelos amigos,
familiares ou colegas. Hoje, um texto colocado num website ou nas redes sociais
pode ser lido, sem esforço nosso, por centenas, milhares ou mesmo milhões de
pessoas.
Mas, esse fenómeno não conduziu como é óbvio a uma melhoria
significativa do nosso conhecimento.
Do outro lado da equação o que temos: o fácil acesso a conteúdos
ajuda-nos a desenvolver a ilusão de que estamos a aumentar facilmente o nosso
conhecimento: com menos esforço, com mais rapidez. E daqui a imaginarmos que
estamos mais perto da sabedoria vai um pequeno passo.
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Por isso, vivemos numa época fascinante em que podemos dizer
que: nunca tantos puderam aceder a tanta informação e a tanto conhecimento.
Mas, paradoxalmente, nunca antes se produziu e difundiu tanta informação
imprecisa, superficial, errada como agora. E, pior do que isso, esta época de
pressas e de desejos de consumo imediato e conveniente, é o melhor terreno para
ler «na diagonal», para «dar uma vista de olhos», para querer ler pouco (os
resumos e as sínteses estão, cada vez mais, na moda…). Logo, um ambiente mau conselheiro para aprofundar,
para comparar fontes, para questionar, para procurar opiniões divergentes,
para… pensar.
Ou seja, um dos paradoxos da época digital é este: a acesso a
informação está garantido e é cada vez mais fácil, mais rápido e mais barato.
Mas, não nos iludamos, não estamos a aceder a conhecimento nem estamos mais
perto da sabedoria. Isso não se consegue apenas com a fácil pesquisa no
Google…
Abril/2017
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Publicado no Nº2 da revista "Sem Equívocos"